[Condoreirismo explicação]

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A escravidão a que a liberdade nos submete

 Liberalismo. Eis o sistema político-econômico que era considerado ideal, a utopia. Com ele já não seria necessário evoluir mais, o homem havia chegado ao ápice do desenvolvimento em todas as suas vertigens, o próprio nome já provem da palavra “liberdade”. Todos tinham seus direitos naturais, a opressão que era imposta pela Igreja, já não vigorava mais. Todos agora nasciam iguais, já não havia mais a idéia de um clero e uma nobreza dominante que nascia privilegiada e morria privilegiada deixando tais privilégios para seus filhos num ciclo em que os maiorais eram maiorais e assim seria, enquanto os menos abastados deveriam lutar sem esperança de alcançar muita coisa. Agora, cada um conquistaria o que quisesse baseado no seu esforço, e na sua racionalidade. Tudo um grande erro.
Muitas pessoas possuem uma ideia errada do liberalismo. Um dos erros mais cometidos é o de pensar que o liberalismo era um movimento somente político e econômico, quando na verdade era muito mais que isso: se estendia a campos sociais, religiosos e outros mais, que favoreciam a burguesia que vivia seu apogeu à época, com as diversas revoluções. Outro e talvez o mais grave seja pensar que o liberalismo, perdoe-me a redundância, é de fato liberal, sem escravidão e com a liberdade a todos. E não era. 

  Em um dado momento na História, a burguesia não tinha o crédito que lhes era devido, ficavam em segundo, talvez terceiro plano. Entretanto, por não concordarem, negaram a submissão e revolucionaram a sociedade, trouxeram idéias grandiosas e impactantes para o povo. A burguesia estava na moda, era a classe social do momento. Os maiorais. Dominavam. Justiça era o que eles traziam. Mas a pergunta é: até onde os burgueses eram tão justos? Enquanto se é subordinado o homem enxerga tudo, ele consegue notar todos os erros cometidos pelos que estão acima dele, os denunciam. Mas ao chegarem no lugar de destaque, quando já não são mais subordinados, se tornam cegos. As virtudes da justiça e benevolência lhes é subtraída, e passam a governar como os outros, porém com maior sagacidade, sem cometer os mesmos erros, ou talvez cometendo-os ocultamente. Escravidão, é este o assunto a que se dirige este texto. 
  Talvez o ponto em que a teoria e a prática liberal mais tenham se afastado, seja na questão escravista. Os americanos, considerados filhos da liberdade, eram os mais contraditórios nesse ponto: enquanto pregavam a liberdade e igualdade a todos, possuíam escravos infindos em suas propriedades. Entretanto, não só os americanos tinham essas práticas. O inglês John Locke, o “pai do liberalismo”, enquanto proclamava suas ideias de liberdade política e econômica, era escravista declarado. 
  Então nos fazemos a pergunta que todas as pessoas se fazem ao entrar em contato com a realidade liberal: Por quê? A resposta não é tão demorada.
O liberalismo, como sabemos, abrangeu várias áreas diferentes. Na economia, pregava o fim da concessão de monopólios e o término da intervenção real na economia, o que dinamizaria a concorrência, levando a uma redução de preços. Defendia também o livre comércio internacional entre países e o fim do colonialismo, já que estes não favoreciam aos interesses burgueses, já que consistia numa espécie de monopólio nacional da metrópole na colônia. Na parte política, propunha o fim do Antigo Regime, a adoção de uma constituição e a representatividade, em que o povo escolhia pelo voto seus representantes através do voto. Além disso, desejavam a divisão em três poderes a fim de evitar a concentração de poder nas mãos de uma única pessoa, como ocorria no absolutismo. No campo religioso, pregavam a liberdade religiosa e não mais o cristianismo reinando absoluto, o que também favorecia aos burgueses, já que a Igreja era contra as práticas destes como empréstimos bancários e eram, em sua maioria, protestantes. 
  Com isso a última que nos resta é a parte social, talvez a principal. Esta consistia nos ideais de que o homem é uma tabula rasa ao nascer (sem distinção de classes como nas épocas anteriores), possuindo todos os mesmos direitos civis e oportunidades. Entretanto, as distinções são constituídas a partir dos direitos políticos, conquistados ao longo da nossa vida, de acordo com o mérito do indivíduo. Também diz que os seres humanos têm três direitos básicos: à vida (por isso são contrários ao aborto e à pena de morte), à liberdade e à propriedade. 
  Pregou-se que todos eram livres, mas e os negros? Não eram inclusos neste “todos”? O Liberalismo teoricamente é um modelo realmente utópico, porém é difícil de ser aplicado. Considerando-se que os governantes querem o melhor para si, o povo não é como uma mula, que come tudo que lhe é dado, sem enxergar tais coisas. Desde o inicio do Liberalismo não houve o sentimento de revolução para com as contrariedades que oprimem os marginalizados. Prova disto é que até hoje, ainda existe a escravidão. Pensa-se que é livre, que os erros cometidos no passado já foram corrigidos. Não. Na China, por exemplo, há crianças que trabalham arduamente por horas e horas em troca de insignificâncias. Parece que ser humano tem um erro genético que não lhe permite olhar para os outros desde o momento que lhe é dado poder. Poucos têm a virtude de se manter íntegros em meio a tais circunstancias. 
  Eis o que Eusébio de Queirós falou à Câmara em 1852 em relação à escravidão no Brasil:
"Senhores, se isso fosse crime, seria um crime geral no Brasil; mas eu sustento que, quando em uma nação todos os partidos políticos ocupam o poder, quando todos os seus homens políticos têm sido chamados a exercê-lo, e todos eles são concordes em uma conduta, é preciso que essa conduta seja apoiada em razões muito fortes; impossível que ela seja um crime, e haveria temeridade em chamá-la um erro!" 
  Quando foi posto a prova sobre os ideais liberalistas pelo Parlamento, que afirmava que os americanos eram contraditórios já que pregavam a liberdade de indivíduos enquanto possuíam escravos, Benjamin Franklin já tinha uma resposta convincente ao pensamento da época. Ao ter seus compatriotas insultados de “... tirânico, tão inimigo da liberdade como é o vosso quando isto lhe convém”, alegou que segundo as ideias liberalistas, os escravos não eram considerados pessoas, mas sim propriedades de seus patrões, tais como são as máquinas, e que portanto não se enquadram nos que têm direitos. Com isso, um homem que mata um escravo, não estaria atentando contra o direito à vida, não sendo preso, mas apenas pagaria uma indenização ou teria que ressarcir o outro indivíduo. Os Estados Unidos se beneficiavam com a escravidão à época porque realizavam o Comércio Triangular entre EUA, Caribe e o norte africano, sendo uma das mercadorias participantes os escravos.
  Como dizia W.E.B. Du Bois, “It was freedom to destroy freedom”. Era liberdade destruindo a liberdade. Liberdade é para todos, não só para alguns. Enquanto o povo assumir o posto de acomodação, continuará a ser vilipendiado. A liberdade só vem com luta contínua, luta por direitos. Que o povo enxergue o que lhes é tirado, que a revolução volte a pairar pelo ar ao ponto de contaminar os pulmões dos indignados e inconformados. E que quando estes revolucionários chegarem ao poder, que eles não cometam o mesmo erro, mas caso cometam. Revolução novamente. Ninguém tem o direito de tirar o direito alheio. É neste espiral que é tecida a História. 
  Assim como mesmo depois de tanta luta, guerras e revoluções ainda não havia igualdade, ainda havia escravos, hoje a sociedade ainda é regida com desigualdade. Tal estigma prendia o negro nas correntes da escravidão. A desculpa dada era a de que o escravo não era um homem, era uma coisa. Não à coisificação dos homens.

Texto produzido no ano de 2011 pelo nosso grupo na Oficina de História a respeito do Liberalismo e suas facetas.

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